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A perda da identidade da mulher ao longo da vida

Sabemos que ao longo da vida criamos nossa própria identidade e, apesar carregarmos conosco características dos nossos passados e do contexto de vida que tivemos, aos poucos vamos descobrindo quem somos, do que gostamos, traçando planos para o futuro e estabelecendo metas que queremos alcançar.

O passado está sempre presente em nossas vidas e esse se manifesta em si mesmo de modo paradoxal. Nós vemos por meio de eventos, aprendemos processos, estágios de socialização, os quais não podem ser apagados ou modificados. A nossa subjetividade, entretanto, uma estrutura organizada, nunca cessa de mudar” (Gibson e Graham, 1996: 112).

Esse é um processo de construção individual e muitas vezes nos pegamos sonhando acordados de como será nossa vida aos 40, aos 50, ao envelhecer. Muitas vezes também, definimos bem em nossa mente, o que não queremos ser. A partir dos modelos familiares, observamos aquilo que não nos agrada e temos a pretensão de não repetir certos comportamentos e padrões já enraizados na estrutura familiar.

Mas infelizmente é preciso dizer que nem sempre nossas idealizações se tornam reais e principalmente para a mulher, a construção da identidade passa por uma série de fatores que serão responsáveis diretamente por alterações daquilo do que sonhamos um dia, para a verdadeira realidade.

E vale salientar que aqui não é um texto feminista nem estou aqui para falar das vantagens do masculino perante o feminino, mas para descrever sobre os agentes fragmentadores responsáveis pela perda de sua identidade e como isso interfere na saúde mental ao longo da vida.

A construção da identidade

Praticamente da infância até a juventude, os indivíduos passam por etapas equivalentes em relação ao processo escolar. Independente de oportunidades, de gêneros ou de outras particularidades, falo aqui do processo social em si, de convivência e de pertencimento a grupos sociais.

Assim, na adolescência ocorre maior construção da subjetividade, uma vez que é nessa etapa, que o jovem começa a deixar de apenas “obedecer” a vontade dos outros, para entender que ele é um ser social e como tal, com direitos e deveres que precisarão ser cumpridos ao longo de sua vida.

A partir desse entendimento, o jovem começa a fazer suas escolhas conscientes como escolher profissão, escolher os amigos, traçar metas de como será seu futuro e identificar o que realmente gosta.

Até aí praticamente é isso que acontece.

Quando a identidade da mulher começa a se perder

Quando entram na idade adulta, mulheres e homens começam a trilhar sua independência. Os ideais até aí continuam os mesmos para ambos: arrumar emprego, constituir família (ou não), ter filhos (ou não) e é a partir daí, que pode iniciar o processo de fragmentação da identidade feminina.

O homem vai procurar emprego e vai se dividir entre trabalho, vida social e seu lar, seguindo padrões estruturais masculinos de trazer o sustento. Já a mulher, caso ela queira morar sozinha, poderá seguir os mesmos passos do homem: trabalho, vida social e casa, mas caso entre num relacionamento a dois e/ou tenha filhos, sua rotina vai ser muito além daquela que teria se morasse sozinha.

Começa então uma verdadeira saga, resultado de comportamentos transgeracionais, instinto materno e padrões de repetição que irão, naturalmente sobrecarregar a rotina feminina e fazer com que ela tenha um lapso sobre tudo aquilo que idealizou, para voltar sua preocupação e foco para a satisfação das necessidades do outro, seja filho ou marido.

Hoje em dia já é possível conhecer mulheres que possuem uma consciência mais objetiva e clara da responsabilidade de ambos dentro de um relacionamento, mas ainda está longe de observarmos uma equidade quando o tema é administração do lar e educação dos filhos, estruturalmente, ainda é um espaço predominantemente visto como sendo “obrigação” da mulher.

Mas como ocorre a perda da identidade feminina?

Sentir-se responsável pelo “sucesso” da rotina familiar, é um peso que a mulher carrega. A sociedade possui um olhar julgador que se volta para a figura feminina caso ocorra algum “deslize” que demonstre que a mulher não é boa o suficiente para “manter um lar estruturado”.

Essa carga vai fazer com que, naturalmente, a mulher se sinta ansiosa por estar atenta às necessidades de seu parceiro e/ou seu filho, esquecendo de satisfazer suas próprias necessidades.

A casa é arrumada para agradar os outros, as refeições são baseadas no que os outros gostam, as programações de laser geralmente são as que alegram os outros. Ela vive em função de atender a demanda de todos, uma vez que, só quando eles estão “bem”, ela sentirá que cumpriu com “suas” obrigações.

Dia após dia, ano após ano, estar disponível o tempo todo para satisfazer os outros, distancia a mulher daquilo que um dia idealizou para si. Ela já não sabe mais do que gosta, quem é, o que faria para se agradar. Possui clareza de tudo que seu parceiro e/ou seu filho gosta e sabe como ninguém buscar formas de atendê-los, mas ao se olhar no espelho, fica a dúvida: quem eu sou?

Às vezes esse processo de perda de identidade segue a vida toda e quando os filhos crescem e saem de casa ou se houver o término do casamento depois de muitos anos, a mulher vai se sentir perdida e sem chão. Sob seus pés se abrirá uma cratera que a deixará sem equilíbrio e uma crise emocional pode se abater sobre ela.

Estou sozinha, e agora?

Lembro de uma pessoa que me contou que seus filhos ficaram adultos e saíram de casa e seu casamento de 25 anos acabou. Nessa época ela tinha 50 anos, tinha deixado de trabalhar há mais de 20 anos, quando os filhos eram pequenos, para acompanhar a educação deles de perto. Disse que durante todo esse tempo, se voltou para a família, cuidando de tudo e de todos, sem pensar em si. Para ela, eles estarem felizes era o que de verdade importava.

Disse que no primeiro dia sozinha, precisou ir ao supermercado fazer feira e que, ao adentrar no estabelecimento, se viu perdida sem conseguir responder uma simples pergunta: o que eu vou comprar para comer? Do que eu gosto?

Fazia tanto tempo que estava acostumada a comprar o que os filhos e marido gostavam, que esqueceu completamente do que ela gostava. Passou horas andando no supermercado, avaliando itens e buscando na memória, se esse ou aquele produto seria do seu agrado.

Pode-se perceber que essa pessoa teve sua identidade totalmente fragmentada ao longo dos anos e começar a se reconstruir é uma tarefa árdua que muitas vezes passa por um sofrimento emocional profundo.

É preciso paciência para se reencontrar, é preciso trabalhar a autoestima, o autoconhecimento, o autoamor. Sabiamente se diz que construir uma casa é muito mais fácil do que ter que destruir para reconstruir porque é um processo muito mais trabalhoso. De repente você perceber que tudo que você pensou que tinha, não é seu, você ajudou a construir a vida dos outros, mas não se preocupou com a sua própria estrutura.

Você se vê frágil, sozinha, desamparada e com mil perguntas sem respostas. Atrelada a isso, a sensação do tempo que não vai mais voltar e te dar oportunidade de fazer diferente.

Você não tem mais a juventude, você não tem facilidade em reestabelecer uma vida social, criar novos vínculos e nem voltar ao mercado de trabalho depois de uma lacuna gigante em seu currículo.

Por onde começar?

Não é fácil, mas é possível voltar a se conectar com você mesma. Para isso, alguns passos são necessários:

 Estabeleça uma rotina de atividades com o objetivo de não ficar ociosa, uma vez que não podemos dar espaço para o desânimo

– Comece a pensar em como você era, coisas que você gostava de usar e fazer e dentro do possível, permita que elas voltem para a sua vida.

– Se você gosta de estudar, procure um curso que te chame atenção. Não precisa ser uma graduação, nem nada muito longo, mas cursos livres que te ocupem e te coloquem em contato com outras pessoas. Essa é uma excelente forma de fazer novas amizades.

– Se gosta de viajar, se programe para fazer viagens nesses grupos de turismo. Além de conhecer gente nova, será uma oportunidade de mudar os ares e sair da rotina

– Identifique alguma atividade física que goste de fazer. Além de ser essencial para manter a saúde física e emocional, a atividade física vai te conectar com outras pessoas

– Se dê presentes. Pequenos afagos para você mesma são importantes para melhorar sua autoestima e te mostrar que você merece ser feliz

Mantenha a clareza de que o passado não vai voltar, ele já aconteceu, mas que você pode e deve  criar novas expectativas, novos planos, novas metas.

– Faça exercícios de se olhar no espelho, admirar quem você é hoje, o aprendizado que a vida te trouxe e utilizar suas vivências e experiências para não se perder mais de você.

– Se sentir solidão, considere a ideia de fazer algum trabalho voluntário. Sempre existem lugares e pessoas que precisam de um suporte, um apoio, um sorriso, uma presença acolhedora e às vezes, se doar um pouco, vai preencher o vazio que está aí dentro.

– Não desista, resista, respira, pausa, começa de novo, mas aos poucos se permita descobrir que o amor da sua vida é você e você merece ser feliz 🙂

  • Se você perceber que está difícil de fazer isso sozinha, procure ajuda de um profissional. O terapeuta irá te ajudar a se reencontrar com você mesma 🙂

 

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